Os únicos índios bons que já vi estavam mortos.
Philip
Henry Sheridan
General
do Exército dos EUA
A
MÚSICA
RUN TO THE HILLS
The Number of the Beast
1982
Letra de Steve Harris
O homem branco veio através do mar.
Nos trouxe dor e miséria.
Matou nossas tribos, matou nossas crenças.
Levaram nossa caça para sua própria necessidade.
Nós lutamos duramente, nós lutamos bem.
Nas planícies, demos-lhe o inferno.
Mas muitos vieram, demais para Cree.
Oh, será que algum dia estaremos livres?
Cavalgando por nuvens de poeira e desertos áridos.
Galopando bravamente pelas planícies.
Perseguindo os peles-vermelhas de volta em seus
buracos,
Combatendo-os em seu próprio jogo.
Assassine pela liberdade, uma apunhalada nas costas,
Mulheres e crianças e covardes atacam!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Soldado azul nos desertos áridos.
Caçando e matando por diversão.
Estuprando as mulheres e arruinando os homens,
Os únicos índios bons estão domados.
Vendendo uísque e levando o seu ouro,
Escravizando os mais jovens e matando os velhos!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Oh, oh, oh, oh!
Yeah, yeah, yeah, aaaaah!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
Corram para as colinas, corram por suas vidas!
O
FILME
BURY MY HEART AT WOUNDED KNEE (ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO)
2007
Dirigido por Yves Simoneau
Escrito por Daniel Giat
Segundo Steve Harris, “essa música é sobre os índios americanos. É escrito de ambos os lados da história. A primeira parte é do lado dos índios. A segunda parte é do lado dos soldados”. Ela faz várias referências a lugares e histórias. Por exemplo, os Cree são um dos maiores povos nativos do norte dos EUA e do Canadá. As planícies e as colinas descrevem bem a região centrada na Dakota do Sul, onde existem grandes pradarias e as Black Hills, montanha sagrada dos indígenas. Os soldados azuis eram como os nativos se referiam ao exército da União, que lutou contra os Confederados na Guerra Civil Americana, e peles vermelhas era como os colonos se referiam aos nativos. O trecho “os únicos índios bons estão domados” é uma adaptação das (supostas) palavras do general Philip Sheridan ao ser introduzido a um “bom índio”, o colaboracionista chefe Tosahwi. Por fim, Harris também cita whisky, ouro e búfalos. Os três elementos foram cruciais no genocídio promovido pelos americanos: o whisky era dado aos índios para leva-los à perdição, o ouro foi a maior causa da exploração tardia do Oeste e os búfalos foram deliberadamente dizimados para que os nativos morressem de fome.
A expansão ao Oeste e o massacre dos nativos na segunda metade do século XIX foram amplamente explorados no início do cinema. Desde filmes mudos como The Covered Wagon (1923) até a famosa Trilogia dos Dólares estrelando Clint Eastwood no estilo “bang-bang espaguete”. Em sua maioria, os mocinhos são os caubóis americanos e os vilões são os “indjuns!” nativos, os selvagens que relutam à civilização e ao cristianismo. Entretanto, após os anos 60 e com a contracultura, a figura do nativo foi revisada traçando um paralelo com o vietcongue na infame Guerra do Vietnã. A visão do Tio Sam levando liberdade aos seus inferiores, o célebre fardo do homem branco, foi gradualmente substituída pelo histórico genocídio dos nativos. A esse movimento foi dado o nome de bang-bang revisionista. O livro que inspira o filme, Bury My Heart at Wounded Knee, foi escrito nessa época, em 1970, por Dee Brown.
O filme é centrado em um jovem nativo chamado Ohiyesa, que é levado de sua aldeia e se torna médico com o nome de Charles Eastman. Contada entre os eventos da Batalha de Little Big Horn (1876) e o Massacre de Wounded Knee (1890), sua história oscila entre a de um ativista da causa indígena e a de um selvagem-civilizado que serve aos interesses de seus exploradores. Charles Eastman se alia ao senador Henry L. Dawes, famoso pelo Dawes Act, que forçava o conceito de propriedade privada aos indígenas e contribuía com a expropriação de suas terras para a exploração mineral e a construção de ferrovias. Quando percebe as desvantagens do acordo, Eastman se une aos chefes Touro Sentado e Nuvem Vermelha, e ao xamã Wovoka no movimento religioso chamado de Dança Fantasma, que se opõe à dominação dos americanos. O filme termina com a última batalha das Guerras Indígenas, resultando na morte de pelo menos 150 homens, mulheres e crianças do povo Lakota.
Embora
seja um filme feito direto para a HBO, ele é bem razoável, com ares de
documentário. Vale ressaltar que os eventos e pessoas descritos no filme são
todos históricos, retirados dos últimos capítulos do livro de Dee Brown.
O
TEMA
Touro Sentado, chefe da tribo Hunkpapa (1831-1890)
Por David Francis Barry, 1883
Em 1800, a população de nativos nos Estados Unidos
(continental) era de aproximadamente 600.000 indivíduos. Em 1890, ela caiu para
cerca de 250.000. Nesse quase um século, as políticas de Estado dos americanos,
a Guerra Civil e as “Guerras Indígenas” ceifaram a vida de 350,000 homens,
mulheres e crianças.
Os Estados Unidos da América nasceram em 4 de julho
1776 como 13 colônias na costa leste que se tornaram independentes do Reino
Unido. Até então, todo o vasto território a oeste era pouco explorado e
pertencia a outras nações. Na presidência de Thomas Jefferson, em 1803, o
recém-criado país comprou a Louisiana da França. Apesar de hoje haver um estado
com mesmo nome, a Louisiana da época correspondia à uma grande fatia do
meio-oeste americano, quase um terço do território atual. É nesse ponto que
começa a famosa expansão ao Oeste, onde os ex-colonos eram encorajados pelo
governo a deixar suas terras e explorar as riquezas do território recém
adquirido e das porções que iriam ser gradualmente anexadas ao longo do século
XIX. Porém, a despeito dos traços no mapa e apertos de mão que os europeus
faziam, havia uma comunidade invisível que já habitava aquelas longas planícies
e bonitas montanhas muito antes do homem branco saber do Novo Mundo: os homens
de ‘pele vermelha’.
O embate entre o homem branco ‘civilizador’ e os
nativos ‘selvagens’ ficou conhecido como as Guerras Indígenas. Indígenas – do
inglês Indian, que é também o
gentílico da Índia – porque os descobridores julgavam terem chegado às Índias
em 1492 e sequer se importaram em corrigir o erro mesmo séculos depois. As
Guerras Indígenas poderiam ser facilmente chamadas de Genocídio dos Nativos,
uma vez que o Estado americano sistematicamente dizimou o povo do Oeste com
políticas públicas, como o Ato de Remoção do Indígena de 1830, e com sucessivas
batalhas que duraram até 1890, sendo a última delas o Massacre de Wounded Knee.
Nesse meio tempo, ocorreu a Guerra Civil Americana, onde a União, os estados do
norte, lutou contra os Estados Confederados do sul. No plano de fundo estava
uma disputa pelo fim da escravidão de africanos, negociados como mercadoria por
séculos nas colônias britânicas. Chama a atenção que somente a guerra entre
‘homens brancos’ é chamada de civil – de cidadãos. E basta olhar para os EUA
hoje para notar o quanto estes conflitos e desigualdades raciais ainda estão
presentes, embora os nativos continuem sendo uma comunidade invisível.
Nos anos que antecederam o Massacre de Wounded Knee, o
governo dos Estados Unidos estava confiscando cada vez mais as terras dos
Lakota, povo nativo da atual Dakota do Sul, para a exploração de ouro nas Black
Hills, montanha sagrada para os nativos. Além disso, os europeus haviam
dizimado a vasta população de bisões nas planícies do território, principal
fonte de alimento dos nativos. Era evidente que os sucessivos descumprimentos
dos acordos de preservação das reservas, já escassas e insuficientes, seria o
estopim de mais um conflito da guerra intermitente que já perdurava por 60
anos. A rebelião dessa vez veio na forma de um culto religioso chamado Dança
Fantasma, que nasceu de uma visão que o xamã Wovoka teve de uma espécie de
messias que salvaria os nativos, análogo ao que é narrado no livro de Êxodo na
Bíblia, porém com a expulsão dos inimigos e o triunfo dos fantasmas do
ancestrais. Incomodados com a rebelião, em 15 de dezembro de 1890 a polícia
matou o chefe Touro Sentado, figura muito importante para os Sioux, aos quais
do Lakota pertencem. Ao amanhecer de 29 de dezembro de 1890, os soldados sob o
comando do Major Samuel Whitside ordenaram a entrega das armas e a remoção
imediata dos Lakota da "zona de operações militares" para os trens
que aguardavam. Houve resistência e um aparente mal-entendido envolvendo um
nativo surdo deu início ao massacre. 250 homens, mulheres e crianças dos Lakota
foram mortos. 25 soldados também morreram e 39 ficaram feridos. Vinte soldados
foram condecorados com a Medalha de Honra pelo feito.
Em 2009, um "pedido de desculpas aos povos
nativos dos Estados Unidos" foi incluído na Lei de Apropriações de Defesa.
Ele afirma que os o governo americano "pede desculpas em nome do povo dos
Estados Unidos a todos os povos nativos pelos muitos casos de violência,
maus-tratos e negligência infligidos aos povos nativos por cidadãos dos Estados
Unidos". Atualmente, a maioria dos descendentes nativos americanos tem
pouca ou nenhuma conexão com a cultura de seus antepassados. Ainda assim, eles
são a população com maior incidência de alcoolismo, diabetes, tuberculose e
suicídio, além de, claro, estarem entre os grupos étnicos mais discriminados.
Há apenas 326 reservas indígenas atualmente no país, correspondendo a 2,3% do
território total. 130 anos após o Massacre de Wounded Knee, as Black Hills
ainda são objeto de disputa judicial entre os Sioux e o homem branco.
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