2 Minutes to Midnight

Não importa se realmente lançaremos esses misseis ou não. Eles estão nos afetando porque há uma geração crescendo agora sem conseguir ver além do ponto de exclamação final da nuvem em formato de cogumelo.

Alan Moore

Escritor / Quadrinista

 

A MÚSICA

 

2 MINUTES TO MIDNIGHT
Powerslave
1984
Letra de Adrian Smith e Bruce Dickinson

 

Para matar por dinheiro ou atirar para mutilar

Nós não precisamos de um motivo.

A galinha dos ovos de ouro está à solta

E nunca fora de época.

O orgulho negro continua ardendo dentro

Desta blindagem de sangrenta traição.

Eis a minha arma para um pouco de diversão

Pelo amor dos mortos-vivos.

 

A cria do assassino ou a semente do demônio,

O glamour, a fortuna, o sofrimento.

Vá para a guerra de novo, o sangue é a mancha da liberdade.

Nunca mais reze pela minha alma.

 

Dois! Minutos! Para meia-noite!

As mãos que ameaçam condenar.

Dois! Minutos! Para meia-noite!

Para matar nascituro no útero.

 

Os cegos gritam: deixem as criaturas saírem,

Nós mostraremos aos descrentes.

Os gritos de napalm de tochas humanas

Num banquete de horário nobre ao estilo Belsen.

Conforme as razões da matança cortam suas carnes

E lambem o molho,

Nós lubrificamos a máquina de guerra

E a alimentamos com nossos bebês.

 

A cria do assassino ou a semente do demônio,

O glamour, a fortuna, o sofrimento.

Vá para a guerra de novo, o sangue é a mancha da liberdade.

Nunca mais reze pela minha alma.

 

Dois! Minutos! Para meia-noite!

As mãos que ameaçam condenar.

Dois! Minutos! Para meia-noite!

Para matar nascituro no útero.

 

Os sacos de corpos e pedaços de crianças

Partidas ao meio.

E os cérebros pastosos dos que sobraram

Para apontar o dedo para você.

Enquanto os loucos brincam com palavras e nos fazem todos

Dançar a sua música.

Na melodia de milhões de famintos

Para fazer um tipo melhor de arma.

 

A cria do assassino ou a semente do demônio,

O glamour, a fortuna, o sofrimento.

Vá para a guerra de novo, o sangue é a mancha da liberdade.

Nunca mais reze pela minha alma.

 

Dois! Minutos! Para meia-noite!

As mãos que ameaçam condenar.

Dois! Minutos! Para meia-noite!

Para matar nascituro no útero.

 

Meia-noite, meia-noite, meia-noite, é a noite inteira!

Meia-noite, meia-noite, meia-noite, é a noite inteira!

 

O FILME

 

WATCHMEN (WATCHMEN - O FILME)
2009
Dirigido por Zack Snyder
Escrito por David Hayter e Alex Tse

 

Uma canção de protesto sobre a ameaça nuclear, a música é creditada a Adrian Smith e Bruce Dickinson, embora suspeito que o segundo seja o responsável pela letra. O título referência ao Doomsday Clock, o relógio simbólico usado pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, que representa uma contagem regressiva para uma potencial catástrofe global. Em setembro de 1953, o relógio chegou a dois minutos para a meia-noite, o mais próximo que chegou da meia-noite no século 20, quando os Estados Unidos e a União Soviética testaram bombas de hidrogênio com diferença de nove meses um para o outro. O relógio atômico regrediu com a diminuição das tensões e voltou a atingir três minutos para meia-noite em 1984 – o ano em que essa faixa foi lançada. Segundo Dickinson, a música aborda criticamente a romantização da guerra em geral, e não à Guerra Fria em particular, como mostram as referências ao napalm, líquido inflamável utilizado na Guerra do Vietnã, e a Belsen, um campo de concentração nazista.

Embora eu seja bem relutante aos blockbusters clichês de super-heróis que infestaram o cinema nas últimas duas décadas, escolhi Watchmen (2009) por tratar do tema e fazer uma reflexão fantástica sobre o assunto. Para minha surpresa, o escritor e quadrinista Alan Moore não só é responsável por V de Vingança, A Liga Extraordinária e Constantine, três obras que aprecio, como também possui visões filosóficas bem interessantes de se ler. Aparentemente o universo dos quadrinhos de super-heróis também tem sua profundidade e eu preciso vencer meu preconceito generalizado com estas obras.

A premissa de Watchmen é um presente distópico onde super-heróis existem, Richard Nixon é presidente pela terceira vez e as tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética estão mais fortes do que nunca. Doutor Manhattan, um herói que faz alusão ao grupo que desenvolveu a bomba atômica, dá ao Ocidente uma vantagem estratégica sobre a União Soviética, que na década de 1980 corre o risco de agravar a Guerra Fria em uma guerra nuclear. Porém, o sentimento anti-vigilantes, como são chamados os heróis, começa a crescer na América e eles passam a ser perseguidos. Manhattan é acusado de causar o câncer que aflige sua ex-namorada, que passou um tempo com ele após o acidente científico que lhe deu seus superpoderes, e se exila em Marte, dando à URSS a confiança para invadir o Afeganistão. Os demais ex-vigilantes, que eram parte de um grupo chamado Watchmen, tentam agora se reunir e descobrir quem está os perseguindo e levando o mundo à ruína.

Watchmen é um drama de crime e aventura que incorpora temas e referências relacionados a filosofia, ética, moral, cultura popular, história, artes e ciência, principalmente física quântica. A premissa principal de Moore é problematizar o conceito de herói e a ideia de uma arma tão poderosa quanto Dr. Manhattan, em clara alusão aos problemas com a Guerra Fria que o mundo vivia naquele momento. O lema “quem vigia os vigilantes?” citada do poeta romano Juvenal é algo que todo cidadão deve lembrar em relação aos Estados e suas boas intenções.

 

O TEMA

 

Agora é 100 segundos para meia-noite
Bulletin of the Atomic Scientists, 23/01/2020

 

Em 2 de agosto de 1939, Albert Einstein enviou uma carta ao presidente americano Franklin D. Roosevelt alertando sobre a possibilidade de a Alemanha Nazista estar desenvolvendo armas nucleares e explicando as potenciais consequências de um ataque dessa natureza. Einstein, um alemão exilado de origem judia, era o cientista mais importante do mundo à época e não podia ser ignorado. Roosevelt criou um comitê e deu início ao projeto Manhattan, reunindo os melhores cientistas disponíveis para desenvolver a bomba atômica. Curiosamente, Einstein não foi autorizado a participar do projeto porque sua fama e seu pacifismo colocavam em risco o sucesso da empreita. Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha iniciou a Segunda Guerra Mundial. Em 8 de maio de 1945, ela assinou a rendição incondicional, mas a guerra seguia no Pacífico. Em 16 de julho de 1945, no deserto ao norte de Alamogordo, Novo México, ocorreu o primeiro teste nuclear bem-sucedido. Em 6 de agosto de 1945, uma arma baseada em urânio, Little Boy, foi detonada acima da cidade japonesa de Hiroshima. Três dias depois, uma arma baseada em plutônio, Fat Man, foi detonada acima da cidade japonesa de Nagasaki. Em 15 de agosto, o imperador Hirohito anunciou a rendição do Japão e o fim da Segunda Guerra Mundial.

Entre 129 mil e 226 mil japoneses morreram durante a explosão e nos meses seguintes às detonações. As consequências da radiação emitida perduram até hoje sobre a região. Segundo Linus Pauling, mais tarde, Einstein se arrependeu de assinar a carta porque ela levou ao desenvolvimento e uso da bomba atômica em combate, acrescentando que ele havia justificado sua decisão por causa do maior perigo de a Alemanha nazista desenvolver a bomba primeiro. Em 1947, Einstein disse à revista Newsweek: "se eu soubesse que os alemães não conseguiriam desenvolver uma bomba atômica, eu não teria feito nada". Nos anos seguintes, os cientistas que participaram do projeto Manhattan e demais colegas começaram a pedir "controle internacional da energia atômica", frequentemente exigindo o controle de organizações transnacionais ou a distribuição proposital de informações sobre armas a todas as superpotências. Evidentemente que os países capitalistas sequer cogitavam deixar que algo tão poderoso caísse nas mãos da URSS. O esforço foi em vão porque, em 29 de agosto de 1949, a União Soviética fez seu primeiro teste bem-sucedido de uma bomba de fissão atômica. Estava iniciada a Guerra Fria.

O Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock) é uma analogia desenvolvida pelo grupo internacional de pesquisadores chamado Chicago Atomic Scientists, que havia participado do Projeto Manhattan. Após a guerra, eles começaram a publicar a revista Bulletin of the Atomic Scientists. O relógio foi representado pela primeira vez em 1947, quando o cofundador do boletim Hyman Goldsmith perguntou à artista Martyl Langsdorf para projetar uma capa para a edição de junho daquele ano. Langsdorf escolheu um relógio para refletir a urgência do problema: “como uma contagem regressiva, o Relógio sugere que a destruição ocorrerá naturalmente, a menos que alguém tome medidas para detê-lo”. Desde então, a associação atualiza constantemente o relógio indicando simbolicamente quantos minutos faltam para meia-noite, o momento do Juízo Final.

Em 1953, menos de nove meses após os EUA realizarem a operação Ivy, a URSS também demonstrou com sucesso seu primeiro dispositivo termonuclear. Isso acendeu um alerta no mundo sobre a possibilidade de um conflito sem precedentes e o relógio foi adiantado para dois minutos para meia-noite, o mais próximo até ali. Novamente, em 1984, época da composição de Powerslave, a marca voltou a se aproximar por causa do conflito soviético-afegão e a liderança do presidente Ronald Reagan. Eventualmente, na década seguinte, a tensão arrefeceu com o fim da URSS e os tratados internacionais, chegando a dezessete minutos para meia noite em 1992. O mundo que até então tinha pesadelos com a eminência de um desastre nuclear, planejado ou acidental, passou a respirar aliviado em relação a esse medo. Esse período perdurou até 11 de setembro de 2001, quando o terrorismo substitui a ameaça nuclear, embora essa seja em bem menor escala e muito mais localizada.

Curiosamente, nos anos 2010, o relógio passou a ser progressivamente atualizado cada vez mais próximo da meia-noite. Em 2018, ele atingiu novamente a marca de dois minutos. E, apesar da próxima década ainda não ter começado, ela promete ser a mais tensa desde o início da contagem, uma vez que em 23 de janeiro de 2020, o relógio foi adiantado para 100 segundos, ou um minuto e quarenta para meia noite. É o mais próximo que o mundo já esteve do apocalipse desde a detonação de Little Boy e Fat Man. E a atualização foi antes do início da pandemia da Covid-19. Segundo Bulletin of the Atomic Scientists, a situação atual é consequência do fracasso de líderes mundiais em lidar com as ameaças de guerra nuclear e mudanças climáticas, principalmente por parte de Estados Unidos, Rússia, Irã e Coreia do Norte.

Em termos de armas nucleares, nove países hoje possuem arsenal comprovado: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, China, Israel e Coreia do Norte. Eles totalizam quase 15.000 armas. Em uma simulação feita pela Universidade de Princeton, se ocorresse um conflito com reações em cadeia por parte das potências, em menos de cinco horas, haveria 91,5 milhões de vítimas. Isso inclui 34,1 milhões de mortes instantâneas e 57,4 milhões de feridos. Por outro lado, é justamente esse medo de destruição mútua assegurada que, teoricamente, garante períodos de paz muito maiores quando comparados às duas guerras mundiais na primeira metade do século passado. Como ambos os lados procuram evitar o desastre, a estratégia de evitar ao máximo o conflito é mais vantajosa para todos, embora não seja nada agradável estar literalmente a um sinal mal interpretado e uma decisão precipitada do fim da humanidade. Infelizmente, a questão do aquecimento global não goza da mesma estratégia e os danos são lentos demais para que a comunidade global os leve a sério, por mais que os cientistas insistam que eles são tão ou mais preocupantes do que a questão nuclear. Estamos a menos de dois minutos da meia-noite.

 

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